26.1.10

caminhos

Saímos de casa às 15 horas. Mesmo sendo domingo, era melhor chegar mais cedo, afinal não sabíamos exatamente para onde estávamos indo. Paramos uns quatro ônibus. Nenhum deles iria até a Paulista. Será que devíamos ter saído mais cedo? A luminosidade do inverno incomodava os olhos, desprovidos de óculos escuros, esquecidos em casa por causa da correria. Finalmente uma resposta positiva: o ônibus Jaçanã passaria pelo MASP. É, acho que vai dar tempo! Descemos no ponto previsto. Em frente, havia uma grande e convidativa feira de artesanato, porém o objetivo principal ainda não tinha sido cumprido: achar o tal lugar. Fomos a pé pela Nove de Julho, sempre apressadas. “O que será que as duas estão fazendo a essa hora?”, pensei em voz alta.
...Tínhamos a informação de que o teatro seria visto uns 500 metros adiante. Mas nunca se sabe, é melhor parar e perguntar pra alguém. O garçom de um boteco confirmou: é logo ali na frente. O letreiro Teatro Raul Cortez indicava que estávamos no lugar certo, mais de uma hora antes do indicado no ingresso. Os rostos de Marieta Severo e Andréa Beltrão estampados em grandes cartazes: As Centenárias.
...Entramos. No enorme saguão, só havia uma faxineira, limpando o chão. Percebendo que estranhávamos o vazio, ela nos disse que a bilheteria ficava no segundo andar, indicando-nos a escada rolante do outro lado. Atravessamos o local. Mas que coisa! Até a escada rolante ainda está desligada! Olhamos em volta: havia também uma pequena escada tradicional, metros adiante. Fomos até ela, quando ouvimos o eco de risos abafados. Do andar de cima, funcionários se divertiam às nossas custas. “Podem ir pelas escadas rolantes!”, eles falaram, “elas funcionam”. Achei aquilo estranho, elas estavam claramente paradas. Marina, também envergonhada, já saiu em direção a elas, subindo no primeiro degrau. Em frações de segundo, nada aconteceu e eu tinha certeza que aqueles moços ririam ainda mais com a nossa ingenuidade em acreditar neles. Foi grande a surpresa quando toda a escada começou lentamente a funcionar, levando minha amiga para cima. Eu, parada sozinha e envergonhada, tratei logo de subir, num disfarce da minha ingenuidade em não acreditar neles. Subimos o outro lance de escada rolante, o qual eu mesma acionei, tentando entender o mecanismo da coisa. Senti-me a própria centenária, por desconhecer tecnologias como aquela.
...Retiramos nossos ingressos sem grandes complicações. Faltava ainda uma hora para o início da peça. Só então percebemos que não houvera tempo para comer antes de sair de casa e, portanto, estávamos mortas de fome. O brigadeiro do refinado café custava três reais. Melhor não; a tortinha de ricota e espinafre seria um dinheiro mais bem gasto. Reparei num grupo de confusas senhorinhas, tentando pagar a conta do que já haviam comido. Achei uma mesa mais no fundo e sentei com a minha tortinha, enquanto minha amiga escolhia a dela. O senhor do caixa me chamou, pedindo para já pagar o que havia pedido. Injuriada, paguei os quatro reais exigidos, pensando: “ora essa... as tais senhoras podem pagar depois; só porque somos jovens, ele tem medo de que a gente saia correndo sem pagar”.
...Voltei à mesa, ainda incomodada com a história. Ficamos ali por um tempo, jogando conversa fora. Olhei para as escadas, lembrando da vergonha que passara há pouco. Uma moça de costas, de casaco vermelho, e duas crianças subiam. “Hum, parece uma antiga professora minha de teatro, com o cabelo loiro preso desse jeito”, pensei. Voltei minha atenção para a fala de Marina. A moça do casaco vermelho se aproximava de nós. Usava óculos escuros. Estranho usar óculos escuros dentro de um prédio. Ué, ela parece mesmo alguém... e não é a minha professora!
...– Mariiiiina, é a Andrééééa!!!
...A minha diva estava passando ali, a menos de um metro de mim, olhando para baixo, seguida pelos filhos, e ninguém mais parecia perceber! Ela entrou numa porta atrás da gente, que, deduzimos, daria para os camarins. “Meu Deus, era ela!”, “Não acredito!”, “Que linda que ela é!”. Estávamos realmente em êxtase. Pensamos na Marieta: será que ela já havia chegado? Marina respondeu: “Sim, ela tem cara de ‘certinha’, que chega três horas antes da peça”. Rimos, ainda empolgadas com o acontecido. “Mas agora sua pergunta de antes está respondida”, ela continuou. “Naquela hora, Andréa estava no trânsito!”.
...Aos poucos, mais pessoas foram chegando. Já se ouvia um burburinho feliz dominando o hall. Esperávamos, ainda na mesa, um amigo atrasado, que assistiria à peça conosco. Olhei ao redor, à procura dele, e a imagem de uma senhora andando me chamou a atenção: trazia uma pequena mala de rodinhas. E usava óculos escuros... Ai, não é possível:
...– Mariiiina, é a Marieeeta!!!
...Percebendo nosso espanto, a atriz olhou para nós e deu um sorriso um tanto envergonhado, entrando rapidamente na mesma porta atrás da gente. “Ela sorriu pra gente!!!”. Olhei em volta. Dessa vez, outras pessoas também tinham percebido a presença pelo menos “especial” e comentavam a respeito. Mas ninguém, além de nós duas, havia recebido um sorriso dela!
...Uns minutos depois, nosso amigo apareceu e foi recebido com apenas um grito da nossa parte: “A gente viu a Marieta e a Andréa!!!”. Após contarmos cada detalhe do que acontecera, entramos na sala e nos dirigimos aos nossos assentos, espalhados pelo teatro. Ainda maravilhada com o que passou e com o que estava por vir e isolada dos meus amigos, tentei ainda alguma comunicação por sinais com eles, mas nada compreensível.
...O mágico terceiro toque de Molière foi ouvido e as luzes foram se apagando aos poucos. Sempre adorei esse momento, quando todos os pensamentos ficam do lado de fora do teatro e o único foco é o palco iluminado e o que está prestes a acontecer nele.
...Marieta Severo e Andréa Beltrão entram em cena, ao som de uma música alegre.

ago./09

Nenhum comentário: