14.6.13

Cheiro de vinagre

Hoje (13/jun/13), no Quarto Ato contra o aumento das passagens do transporte público (ênfase no “público”, por favor), milhares de pessoas se reuniram em frente ao Teatro Municipal. Os ânimos de uma juventude aprendendo a fazer política estavam fortes. Todos unidos em palavras de ordem, sempre reforçando o caráter pacífico da manifestação.

Quando começou a passeata, tudo se manteve tranquilo (ainda assim, corriam boatos de que pessoas já haviam sido presas, pelo simples porte de vinagre). De qualquer forma, a massa se mantinha homogênea no objetivo, sempre convidando a todos para virem às ruas protestar. Nessa parte, não presenciamos quaisquer atos de violência por parte do povo. Aliás, talvez um único. Ao passarmos por uma rua interditada pela multidão, demos de cara com um ônibus preso no congestionamento. Ao nosso lado, estavam cerca de meia dúzia de jovens, com rostos cobertos, que logo passaram a pixar “R$ 3,20 é roubo” e coisas do gênero no ônibus. Essa foi a maior (e única) violência vista por nós, ao longo de mais de duas horas de manifestação pacífica. Ainda assim, esses seis jovens foram imediatamente vaiados pela massa ao redor, em desaprovação ao ato cometido com gritos de “Sem violência! Sem violência!”.

Continuamos pelo centro, ao som de baterias comandando os gritos de ordem, tais como “Motorista! Cobrador! Me diz aí se seu salário aumentou!”. Assim que começamos a subida da Consolação, a multidão foi parada pela Tropa de Choque. O único som era de milhares de vozes gritando a plenos pulmões novamente “Sem violência! Sem violência!”. Instantes depois, para susto geral, começou um imenso bombardeio por parte da polícia, com bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral. A massa de milhares de pessoas tentou correr, desesperada, voltando de onde tínhamos vindo. Ainda assim, ouvia-se a tentativa de continuação do grito “Sem violência!”, mas que só tinha como resposta mais bombas da polícia.

Muitos manifestantes tentavam acalmar a multidão, pedindo para ninguém correr. As bombas continuavam ininterruptamente, para desespero geral. Quando conseguimos ultrapassar de volta a Praça Roosevelt, no sentido centro, percebemos a armadilha. Outro cordão de policiais impedia a passagem por esse lado. Não demorou nada para sermos bombardeados também por eles. Estávamos encurralados, com bombas caindo por todos os lados, pessoas desesperadas correndo como baratas tontas, se trombando e se atropelando. A grande maioria já tinha lenços nos rostos, de forma a proteger do gás. O cheiro de vinagre, antes repulsivo, tornara-se absolutamente necessário. A única saída era a própria Praça Roosevelt. Quem conhece a região sabe que as opções para subir são restritas, como rampas em zig-zag, nada propícias para uma multidão amedrontada. As pessoas desataram a correr por cima das rampas, pulando de um corrimão para o outro, tentando se ajudar, mas ao mesmo tempo se machucando. O desespero só crescia, com as bombas se aproximando, caindo do nosso lado a cada instante.

O cenário era comparável ao de guerras e ditaduras, em que cidadãos civis são deliberadamente atacados, sem qualquer plano de ação ou tentativa de diálogo por parte da polícia. O desespero e o medo só dividiam lugar com a raiva.

Quando consegui chegar ao metrô, as filas eram enormes. E pasmem! Não devido à manifestação que ocorria a poucos quarteirões dali. E sim à coincidente greve da CPTM, ocorrida desde a manhã. Me vi novamente envolta em multidão, mas num contexto completamente oposto. Ela era formada por indivíduos nos seus celulares, ligeiramente irritados por chegarem tarde em casa, cansados do trabalho e absolutamente apáticos. Essa massa esperava estática na plataforma a chegada de um trem vazio, que pudesse carregá-la para casa. Não havia força, não havia brilho, não havia vida. Não havia revolta com a situação absurda a que foram submetidos. E muito menos havia qualquer tentativa de mudança. O grito de guerra fora substituído por uma voz repetitiva no alto-falante do metrô: “Essa estação será fechada por motivos de segurança”.

O desespero voltou forte em mim. Minha vontade era sacudir cada um ao redor. Gritar até que todos ouvissem que, acima de nós, milhares de pessoas estavam sendo brutalmente atacadas, reivindicando direitos também para eles, parados na plataforma.

Cheirando a vinagre e descontando minha insatisfação no pano úmido que tinha nas mãos (e que, pouco antes, me salvara do gás), embarquei no vagão absurdamente lotado. E apático.

Havia uma barreira tão imensa entre as duas realidades que me senti perdida como nunca antes. O que fazer? De que maneira ampliar a luta, trazendo quem é, muitas vezes, muito mais injustiçado do que nós? Como destruir esse Muro de Berlim invisível?