9.6.10

sertão


...tanto medo
...tanto tempo
tanto medo do tempo passar
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...
histórias evaporam
............sedimentam
sentimentos secam ao sol
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...resta o abismo
.........de pedras e ar
...entressonho de areia
..............amarelada pelo céu

jun./10

21.5.10

sobre o contrário de tudo o que devíamos ter aprendido

livre-reflexão-desabafo sobre o processo de Interpretação I, ministrado pela nebulosa Maria Thaís.
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...tentativas tentativas tentativas.
...frustrações.
...quando vamos começar a acertar?
...‘escolha entre o campo das dúvidas e o campo das certezas’.
...por que, ainda assim, prefiro o das certezas?
...ou melhor, por que alguém, em sã consciência, escolheria o das dúvidas?
...Rilke deixa de fazer sentido. não consigo, por ora, respeitar o tempo das minhas próprias perguntas.
...quero respostas, saídas, apontamentos, notas dez, sinais verdes.
...minha ‘coragem para o ato de criação’ esvai-se.
...não aceito meus limites. são demasiado numerosos para fazê-lo.
...quero a ideia pronta, o jogo feito, a relação construída.
...
quero a chegada. cansei do caminho.
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maio/10

sombra

O ar espaçado
.....espaço gelado

Voa no céu azul
.....pássaro
..........indiferente
passado

Os olhos se fecham à luz
.....Muro claro refletor

Nuvem.


.......................................maio/10

12.5.10

O Drama Naturalista de Ibsen

Trabalho realizado para a matéria de História do Teatro III, ministrada pelo professor Welington Andrade
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Henrik Ibsen viveu, com 20 anos de idade, a Revolução de 1848. Segundo Robert Pignarre, transporta esse ideal libertário para o domínio da vida interior: a liberdade começa por ser a conquista de nós mesmos. Eu acredito que seja essa, por exemplo, a principal característica da sua peça Casa de Bonecas [1]. Nora, após ser um bibelô do marido por anos, toma finalmente a decisão de sair de casa em busca dela mesma, abandonando a família para exercer sua liberdade e aprender a existir por si mesma.
...Para Tereza Menezes, as peças de Ibsen buscam acentuar a possibilidade de escolha, a intencionalidade das ações individuais, como um dever do homem para consigo mesmo, uma necessidade vital de ouvir e seguir os próprios desejos [2]. A meu ver, tal é a essência que continua atual nas peças de Ibsen: a busca pelo eu. Ainda precisamos, talvez mais do que nunca, saber ouvir e seguir nossos próprios anseios, visto que vivemos tempos conformistas e resignados. A nossa sociedade de con-sumo é marcada pela grande dificuldade em identificar os desejos profundos e individuais. Nesse contexto, são vendidas constantemente falsas promessas de felicidade, que, relacionadas ao consumo capitalista, ocupam superficialmente o lugar que a verdadeira busca pelo indivíduo deveria ocupar. Ou seja, eu me contento em comprar um carro da marca “x” e me sinto feliz e realizada com isso. A realização pessoal deixa de se relacionar com os desejos íntimos e passa a ser determinada por conceitos massificados (“comprar o tal carro ‘x’ traz felicidade”).
...Menezes diz: “A única alternativa ao desespero humano é a autocriação por opção consciente, pela busca do autoconhecimento que persiga um ‘eu ideal’” [3]. Há algo mais contemporâneo do que esse desafio?
...A dificuldade, superada por Nora, de descobrir sua própria lei e de se manter fiel a ela dialoga com isso, tema recorrente em Ibsen. O autor parte de uma crítica à sociedade burguesa para logo passar a uma espécie de meditação sobre o humano, conseguindo com as personagens cotidianas, no contexto familiar, a propósito de interesses mais ou menos sórdidos, restaurar a tragédia.
...Segundo Pignarre, Ibsen muitas vezes recorre a símbolos cuja “insistência didática” pode ser considerada falsa poesia ou falsa profundidade. O crítico afirma ser por causa desses símbolos que a obra de Ibsen marcou o seu tempo, mas é também por causa deles que tem envelhecido.
...Já Bernard Shaw defende que o teatro moderno começou no momento em que Ibsen escreveu Casa de Bonecas, e Nora convida o marido para sentar-se e discutir o casamento. Ele via o objetivo do drama naturalista na discussão de conflitos psicológicos e tradicionais. O palco convertia-se em cenário de debates [4].
...Assim, a nova forma do drama era exposição, situação e discussão, e não mais desfecho [5]. Es-se era outro aspecto inovador de Ibsen: a não conclusão do final. As peças terminavam de maneira aberta, necessitando uma reflexão interna por parte do espectador. Aí também há característica prezada na contemporaneidade: conflitos que não se resolvem explicitamente na peça e que permitem que a plateia pense sozinha, faça relações com a sua vida e exercite o senso crítico.
...Com diálogos ricos e econômicos, há a confrontação de personagens em uma situação limite, do qual surge um indivíduo novo, com um novo olhar sobre si mesmo. Mais uma vez, Casa de Bonecas é ótimo exemplo desse nascimento de uma nova perspectiva, experimentado por Nora.
...A maioria do personagens ibsenianos não possui resolução nem definição precisa de seu caráter. É fácil identificar muitas dimensões e intenções deles. Desse modo, é impossível julgar seus comportamentos como certos ou errados, já que o parâmetro não é o das regras socialmente estabelecidas e aceitas, mas o oposto, o da possibilidade de contestá-las e do indivíduo perceber e afirmar sua vontade pessoal.
...Assim sendo, Ibsen não busca um julgamento moral, suas indagações referem-se à possibilidade de um indivíduo construir seu próprio destino. Como afirma Menezes, “Ao dar mais importância para o questionamento de valores e idéias do que para o enredo, ele estava enfatizando a grande característica e especificidade do teatro, ou seja, o conflito” [6].
...Para ela, o efeito desorganizador do juízo do público obriga-o a repensar os conceitos que havia formado até aquele momento da peça e o torna, eventualmente, capaz de reconstruí-los em novas bases. Peter Szondi afirma: “a tragicidade do mundo burguês não reside na morte, mas na própria vida” [7].
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[1] PIGNARRE, 1979, p. 120.
[2] MENEZES, 2006, p. 59.
[3] Ibid., p. 81.
[4] BERTHOLD, 2008, p. 460.
[5] MENEZES, 2006, p. 57.
[6] Ibid., p. 71.
[7] SZONDI, 2001, p. 46.
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Bibliografia
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BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008.
MENEZES, Tereza. Ibsen e o Novo Sujeito da Modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2006.
PIGNARRE, Robert. História do Teatro. Portugal: Publicações Europa-América, 1979.
SZONDI, Peter. Teoria do Drama Moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

1.3.10

espelho

Girou a chave
Fechadura
Duro dia

Despiu-se.
Roupas e pés no chão gelado
O fraco brilho da luz
Refletido no espelho gasto

Seu gasto corpo de fraco brilho
Duplo.
Duplicado no vidro. Múltiplo.


mar./10

27.1.10

encontro em contraste

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.


...Lia Neruda na cama.
...Quanto desperdício de pessoas... Quantas relações jogadas fora a troco de tão pouco.
...Caminhos que se cruzam sem aparente motivo. Seres que se encantam mutuamente. Destino?
...Nós que se desatam. Fascinação. A ‘redescoberta do tesão da vida’.
...No encontro com o outro, o choque das diferenças. Belo.
...Diante do estranho, conhecer-se. Lembrar-se.

...Encontrar-se no contraste.
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jan./10

26.1.10

ensaio secreto sobre a chuva

1. Olá! Quem é você?

2. Oi. Eu sou um Segredo.
...E você?

1. Sou uma Chuva.
...Que tipo de Segredo você é?

2. Por ser Segredo, não posso contar.

1. Nada de nada?

2. Sou um Segredo bom.
...Já você não é Segredo, mas está escondida.
...Está me vendo? Eu sou Segredo, e você me vê.
...Curioso mesmo...

1. Coisas de Chuva...

(silêncio)

2. Eu não uso guarda-chuva.

1. Não gosto de pessoas que usam guarda-chuvas.
...Não são confiáveis.

2. Ando na Chuva como quem anda ao sol.
...Gosto do sol quando faz sol
...e da Chuva quando chove.

1. É um bom jeito de se viver.
...Você tem algo para contar à Chuva?

2. Normalmente é a Chuva quem conta histórias.
...Histórias de dormir
...ou histórias de quem escuta a Chuva.

1. Sim. Eu bem sei fazer as pessoas dormirem...

2. Faz cafuné?

1. Não. Só pingo.

(silêncio)

1. Calei o Segredo?

2. Segredo está fazendo mistério.

1. Ah... a Chuva gosta de mistérios. Na medida certa.

2. A medida certa é a medida que acontece.
...Nenhuma é mais certa do que ela.
...Nenhuma outra foi.

1. Nem sempre... às vezes, eu mesma exagero.
...Quem perde sua casa para mim não acha que eu vim na medida certa.

2. As pessoas, muitas vezes, não estão no lugar certo.
...A Chuva é certa. Só pinga.
...E não faz mais certo, porque é só o que é.
...Essência.

1. Quem diria? Até que o Segredo entende de Chuva...

2. Mas será que a Chuva entende de Segredo?

1. A Chuva tem os segredos dela.
...Desses ela entende.

(silêncio)

1. Fazendo segredos com alguém?

2. Muitas grandes conversas são caladas.

1. Era uma conversa o que acontecia aqui?

2. Era.
...Você interrompeu.

1. Desculpe-me. Eu gosto de interromper algumas coisas, de vez em quando.

2. Já interrompeu a Chuva?

1. Não.

...Não se pode interromper a Chuva.

2. Você apenas acaba?

1. Sim.
...Eu seco.

2. A Chuva pouco me conhece...
...Mas sabe onde me encontrar.
...Adeus.

1. O contrário também é verdadeiro.
...São tempos secos, mas continue olhando o céu.

2. Um mistério pra você.

1. E um pingo pra você.

set./09

caminhos

Saímos de casa às 15 horas. Mesmo sendo domingo, era melhor chegar mais cedo, afinal não sabíamos exatamente para onde estávamos indo. Paramos uns quatro ônibus. Nenhum deles iria até a Paulista. Será que devíamos ter saído mais cedo? A luminosidade do inverno incomodava os olhos, desprovidos de óculos escuros, esquecidos em casa por causa da correria. Finalmente uma resposta positiva: o ônibus Jaçanã passaria pelo MASP. É, acho que vai dar tempo! Descemos no ponto previsto. Em frente, havia uma grande e convidativa feira de artesanato, porém o objetivo principal ainda não tinha sido cumprido: achar o tal lugar. Fomos a pé pela Nove de Julho, sempre apressadas. “O que será que as duas estão fazendo a essa hora?”, pensei em voz alta.
...Tínhamos a informação de que o teatro seria visto uns 500 metros adiante. Mas nunca se sabe, é melhor parar e perguntar pra alguém. O garçom de um boteco confirmou: é logo ali na frente. O letreiro Teatro Raul Cortez indicava que estávamos no lugar certo, mais de uma hora antes do indicado no ingresso. Os rostos de Marieta Severo e Andréa Beltrão estampados em grandes cartazes: As Centenárias.
...Entramos. No enorme saguão, só havia uma faxineira, limpando o chão. Percebendo que estranhávamos o vazio, ela nos disse que a bilheteria ficava no segundo andar, indicando-nos a escada rolante do outro lado. Atravessamos o local. Mas que coisa! Até a escada rolante ainda está desligada! Olhamos em volta: havia também uma pequena escada tradicional, metros adiante. Fomos até ela, quando ouvimos o eco de risos abafados. Do andar de cima, funcionários se divertiam às nossas custas. “Podem ir pelas escadas rolantes!”, eles falaram, “elas funcionam”. Achei aquilo estranho, elas estavam claramente paradas. Marina, também envergonhada, já saiu em direção a elas, subindo no primeiro degrau. Em frações de segundo, nada aconteceu e eu tinha certeza que aqueles moços ririam ainda mais com a nossa ingenuidade em acreditar neles. Foi grande a surpresa quando toda a escada começou lentamente a funcionar, levando minha amiga para cima. Eu, parada sozinha e envergonhada, tratei logo de subir, num disfarce da minha ingenuidade em não acreditar neles. Subimos o outro lance de escada rolante, o qual eu mesma acionei, tentando entender o mecanismo da coisa. Senti-me a própria centenária, por desconhecer tecnologias como aquela.
...Retiramos nossos ingressos sem grandes complicações. Faltava ainda uma hora para o início da peça. Só então percebemos que não houvera tempo para comer antes de sair de casa e, portanto, estávamos mortas de fome. O brigadeiro do refinado café custava três reais. Melhor não; a tortinha de ricota e espinafre seria um dinheiro mais bem gasto. Reparei num grupo de confusas senhorinhas, tentando pagar a conta do que já haviam comido. Achei uma mesa mais no fundo e sentei com a minha tortinha, enquanto minha amiga escolhia a dela. O senhor do caixa me chamou, pedindo para já pagar o que havia pedido. Injuriada, paguei os quatro reais exigidos, pensando: “ora essa... as tais senhoras podem pagar depois; só porque somos jovens, ele tem medo de que a gente saia correndo sem pagar”.
...Voltei à mesa, ainda incomodada com a história. Ficamos ali por um tempo, jogando conversa fora. Olhei para as escadas, lembrando da vergonha que passara há pouco. Uma moça de costas, de casaco vermelho, e duas crianças subiam. “Hum, parece uma antiga professora minha de teatro, com o cabelo loiro preso desse jeito”, pensei. Voltei minha atenção para a fala de Marina. A moça do casaco vermelho se aproximava de nós. Usava óculos escuros. Estranho usar óculos escuros dentro de um prédio. Ué, ela parece mesmo alguém... e não é a minha professora!
...– Mariiiiina, é a Andrééééa!!!
...A minha diva estava passando ali, a menos de um metro de mim, olhando para baixo, seguida pelos filhos, e ninguém mais parecia perceber! Ela entrou numa porta atrás da gente, que, deduzimos, daria para os camarins. “Meu Deus, era ela!”, “Não acredito!”, “Que linda que ela é!”. Estávamos realmente em êxtase. Pensamos na Marieta: será que ela já havia chegado? Marina respondeu: “Sim, ela tem cara de ‘certinha’, que chega três horas antes da peça”. Rimos, ainda empolgadas com o acontecido. “Mas agora sua pergunta de antes está respondida”, ela continuou. “Naquela hora, Andréa estava no trânsito!”.
...Aos poucos, mais pessoas foram chegando. Já se ouvia um burburinho feliz dominando o hall. Esperávamos, ainda na mesa, um amigo atrasado, que assistiria à peça conosco. Olhei ao redor, à procura dele, e a imagem de uma senhora andando me chamou a atenção: trazia uma pequena mala de rodinhas. E usava óculos escuros... Ai, não é possível:
...– Mariiiina, é a Marieeeta!!!
...Percebendo nosso espanto, a atriz olhou para nós e deu um sorriso um tanto envergonhado, entrando rapidamente na mesma porta atrás da gente. “Ela sorriu pra gente!!!”. Olhei em volta. Dessa vez, outras pessoas também tinham percebido a presença pelo menos “especial” e comentavam a respeito. Mas ninguém, além de nós duas, havia recebido um sorriso dela!
...Uns minutos depois, nosso amigo apareceu e foi recebido com apenas um grito da nossa parte: “A gente viu a Marieta e a Andréa!!!”. Após contarmos cada detalhe do que acontecera, entramos na sala e nos dirigimos aos nossos assentos, espalhados pelo teatro. Ainda maravilhada com o que passou e com o que estava por vir e isolada dos meus amigos, tentei ainda alguma comunicação por sinais com eles, mas nada compreensível.
...O mágico terceiro toque de Molière foi ouvido e as luzes foram se apagando aos poucos. Sempre adorei esse momento, quando todos os pensamentos ficam do lado de fora do teatro e o único foco é o palco iluminado e o que está prestes a acontecer nele.
...Marieta Severo e Andréa Beltrão entram em cena, ao som de uma música alegre.

ago./09