28.7.09

A Força Primitiva de Medéia

para a disciplina de História do Teatro I, do prof. Clóvis Garcia.
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1. Dados Gerais
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Biografia do autor
Eurípides nasceu em Salamina, provavelmente no ano de 485 a.C. Seu pai, Mnesárquides, e a sua mãe, Clito, apesar de serem apresentados pela comédia como verdureiros, eram grandes proprietários de terras.[1] O poeta recebeu boa educação dos sofistas, em Atenas. Escreveu pelo menos 74 peças, das quais 67 eram tragédias e sete, dramas satíricos. Dessas, restaram apenas 18: Alceste, Medéia, Hipólito, Os Heráclidas, Andrômaca, Hécuba, Héracles, As Suplicantes, Íon, As Troianas, Ifigênia em Táuris, Electra, Helena, As Fenícias, Orestes, As Bacantes, Ifigênia em Áulis e O Cíclope (único drama satírico).
...Eurípides teve três filhos e casou-se duas vezes. Ao longo da vida, adquiriu posição de aversão às mulheres, presente em algumas peças de sua autoria. Teria o costume de escrever e meditar em completo isolamento, numa gruta em frente ao mar. Desprezava o lugar comum e era melancólico, reservado e insociável.
...Venceu quatro vezes o festival de teatro ateniense. Ao contrário de Sófocles, o dramaturgo preferido por seus contemporâneos, Eurípides nunca desempenhou qualquer atividade no governo; contudo, em suas tragédias, a preocupação política é quase uma constante. Para o crítico Kitto, essa sua maior concentração nos aspectos sociais da tragédia é devida ao contexto histórico: a guerra entre Atenas e Esparta.
...Sócrates colocava-o acima de todos os outros dramaturgos e jamais ia ao teatro senão quando Eurípides tinha uma da suas peças encenadas. Sófocles respeitava-o, ainda que não aprovasse o seu realismo. Mas Eurípides também foi alvo constante do humor de Aristófanes, chegando a ser representado por personagens do comediógrafo. Os Sapos é uma peça que o ridiculariza, na qual Dionísio viaja a Hades para resgatar Eurípides entre os mortos. A sátira consiste na decisão dos deuses de salvar, no último instante, Ésquilo no lugar de Eurípides.
...Eurípides passou os últimos anos de sua vida em Pela, na Macedônia, na corte do rei Arquelau, onde foi recebido com honrarias. Segundo a tradição, teve uma morte trágica: teria sido despedaçado, acidentalmente, pelos cães de caça do rei, no ano de 406 a.C.[2] No entanto, de acordo com o geógrafo e viajante grego Pausânias, Eurípides morreu aos 78 anos, devido a um inverno rigoroso, na Macedônia, tendo sido ali sepultado. Diante do ocorrido, Sófocles teria feito o seu coro representar de luto, em sua homenagem.
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A Escola – Situação na Época
A tragédia Medéia pertence ao Teatro Clássico grego, do século V a.C. O período Clássico (séculos V e IV a.C.) foi o período das hegemonias e imperialismos no mundo grego. A potência dominante era Atenas, seguida por Esparta e Tebas.
...A hegemonia ateniense projetou-se pelas Guerras Médicas, ou Pérsicas, as quais tiveram como causa o conflito entre o mundo grego, em expansão, e o mundo bárbaro persa. Após a ofensiva persa (490-479 a.C.), quando Atenas foi incendiada, vários Estados gregos se uniram, sob a liderança dessa pólis, formando a Confederação de Delos, resultado de uma política imperialista de Péricles. No Tratado de Susa, ou Paz de Kallias, em 448 a.C., os persas reconheceram a hegemonia dos gregos no Egeu e prometeram não mais atacar a Grécia ou suas colônias asiáticas.
...O sucesso de Atenas lhe valeu a rivalidade de Esparta, Corinto, Megara, Tebas. Címon, afirmando que o perigo eram os persas, queria paz com Esparta. Acabou exilado. O partido democrático empreendeu então uma política de expansão imperialista, que terminou em desastrosa campanha militar no Egito.
...O auge ateniense ocorreu no governo de Péricles (444-429 a.C.), depois do ostracismo de Címon. Ele completou as reformas propostas por Efialtes, instituindo o pagamento aos membros dos tribunais e da Assembléia e abrindo o Arcontado às camadas inferiores; iniciou a construção de obras, tanto para embelezar a cidade e melhorar a defesa quanto para empregar os desocupados; e cercou-se dos maiores intelectuais da época, como o escultor Fídias, o poeta Sófocles, o historiador Heródoto e o filósofo Anaxágoras, seu guia. Atenas tornou-se a Escola da Grécia.
...Mas bastou um incidente para transformar a rivalidade das outras cidades-Estado em guerra: Atenas apoiou a colônia de Córcira, rebelada contra Corinto. Foi deflagrada então a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), entre a Liga de Delos, sob o comando de Atenas, e a Liga do Peloponeso, liderada por Esparta. Prolongando-se a guerra, o povo perdeu a predisposição para a razão e tolerância. Péricles, vendo sua influência desaparecer, foi obrigado a permitir o exílio de Anaxágoras e Fídias, chegando até a sofrer impeachment. Um a um, Eurípides viu seus amigos e mestres silenciados ou expulsos da cidade.
...Durante a primeira parte da guerra, que durou dez anos, a falta de higiene e a má alimentação trouxeram a peste, que vitimou o próprio Péricles, em 429 a.C. Em 421 a.C., atenienses e espartanos assinaram a Paz de Nícias, estabelecendo que não haveria mais guerra por cinqüenta anos. Esse tratado não foi cumprido e a guerra continuou até 404 a.C., quando Lisandro, em Egos-Pótamos, derrotou os atenienses definitivamente. Como resultado, Esparta tornou-se hegemônica na região, adotando uma política imperialista.
...Eurípides era um livre-pensador, humanitário e pacifista num período cada vez mais intolerante e enlouquecido pela guerra. Em meio a esses acontecimentos, continuou escrevendo peças que se valiam dos ensinamentos dos exilados. Acabou salvo do ostracismo, pois suas heresias eram expressas mais por suas personagens que por ele mesmo e também porque apresentava sua filosofia num molde tradicional. Em aparência, era mais formal que o próprio Ésquilo.
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O Contexto – Situação na Obra
Idade Heróica da Grécia.
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2. Formas
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O Gênero
A peça é considerada uma das maiores tragédias gregas, baseada em histórias míticas. Por se tratar desse gênero, possui parte falada, a qual abrange quase todo o movimento efetivo do drama e é dita pelos atores, e parte cantada e dançada, as odes corais, que marcam pausas na ação e são executadas pelos coreutas. Elementos líricos e dramáticos acabam fundindo-se harmoniosamente, característica essa peculiar à tragédia.
...Gênero literário original, possuidor de regras e características próprias, a tragédia instaura, no sistema das festas públicas, um novo tipo de espetáculo. Além disso, como forma de expressão específica, traduz aspectos da experiência humana até então desapercebidos. Marca uma etapa na formação do homem interior, do homem como sujeito responsável.
...A tragégia traduz uma consciência dilacerada, os sentimentos das contradições que dividem o homem contra si mesmo. Toma-o como objeto que, em si próprio, vive esse debate, o qual é coagido a fazer uma escolha definitiva, a orientar sua ação num universo de valores ambíguos onde jamais algo é estável e homogêneo. O domínio próprio da tragédia situa-se na zona fronteiriça onde os atos humanos vêm articular-se com as potências divinas, onde revelam seu verdadeiro sentido, ignorado até por aqueles que os praticaram e por eles são responsáveis, inserindo-se numa ordem que ultrapassa o homem e a ele escapa.
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O Estilo
O teatro psicológico do Ocidente tem início com Eurípides. Sófocles teria dito: “Eu represento os homens como devem ser, Eurípedes os representa como são”. A idéia de Protágoras a respeito do “homem como a medida de todas as coisas” torna-se bem ilustrada, portanto, por Eurípides. Ele concede a suas personagens o direito de hesitar, de duvidar. Descortina toda a extensão dos instintos e paixões, das intrigas e conspirações.[3]
...Segundo Lesky, Eurípides defendia que o verdadeiro centro de todo acontecer é o homem, pensamento este difundido pelo espírito da sofística.[4] Já para Kitto, o autor seria um “racionalista, na medida em que acredita que a razão é guia da vida, não uma crença, uma fórmula ou qualquer magia; mas vê também que temos em nós, além da razão, emoções não-racionais necessárias, mas que podem degenerar intrometendo-se na nossa razão e trazendo a calamidade”.[5]
...Na análise de Berthold, Eurípides “era um cético, que duvidava da verdade absoluta, e como tal se opunha a qualquer idealismo paliativo”.[6] O autor estaria interessado nas contradições e ambigüidades, no princípio da decepção, na relativização dos valores éticos. Para ele, o pronunciamento divino não era a verdade absoluta e não lhe oferecia nenhuma solução conciliatória final.
...Em última análise, o herói trágico de Eurípides é a humanidade. Quando alguma paixão natural ultrapassa os seus limites, o castigo tem de ser pago, quer pelo pecador quer pelos que estão à volta dele. Por esse motivo, ele é considerado o mais trágico dos poetas: apresenta, no seu estilo poético e lírico, tanto as paixões quanto as loucuras como sendo constante fonte de miséria, ou seja, as paixões e a ausência de razão às quais a humanidade está sujeita são o seu maior flagelo.
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A Linguagem
A linguagem de Medéia é bastante poética, porém direta e ritmada, sem ser excessivamente rebuscada. As partes mais líricas são claramente os estásimos do Coro.
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A Estrutura
Medéia possui um prólogo dito pela Ama, do verso 1 ao 61. O párodo começa no verso 147, com a entrada do Coro de mulheres de Corinto, e vai até o 153. O primeiro episódio é encontrado do verso 62 ao 467, nos diálogos entre o Preceptor e a Ama, entre a Ama e Medéia e entre Creonte e Medéia. O primeiro estásimo vai do verso 468 ao 502. Do 503 ao 726, há o segundo episódio, durante o diálogo entre Jasão e Medéia. O segundo estásimo encontra-se do verso 727 ao 756. O terceiro episódio vai do verso 757 ao 942, marcando a conversa entre Egeu e Medéia e entre a protagonista e o Coro, e o terceiro estásimo começa no verso 943 e termina no 976. Do verso 977 ao 1.106, há o diálogo de Jasão e Medéia, determinando o quarto episódio. O quarto estásimo vai do verso 1.107 ao 1.131. O quinto episódio começa no verso 1.132 e acaba no 1.229, marcando a conversa entre Preceptor e Medéia. Do verso 1.230 ao 1.262, encontra-se o quinto estásimo. O sexto episódio vai do verso 1.263 ao 1.427, durante diálogo entre Mensageiro e Medéia. O sexto estásimo começa no verso 1.428 e vai até o 1.473. A conversa final entre Jasão e Medéia é delimitada pelo sétimo episódio, do verso 1.474 ao 1.608. A saída do Coro é marcada pelo êxodo, do verso 1.609 ao 1.615.
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O Coro
Em algumas passagens da tragédia Medéia, o Coro é personagem, marcado pelo diálogo com os outros, como Jasão e principalmente com a protagonista, Medéia. Em outras, é comentarista, finalizando a ação e opinando a respeito. Para Schlegel, o Coro é um espectador ideal, o qual transmite aos personagens as reações que, na opinião do poeta, o desenrolar da ação poderia provocar nos espectadores.
...Kitto defende que o Coro nessa peça é uma intrusão, já que a história de Medéia diz respeito a ela, Jasão e seu círculo familiar, ao contrário do que acontece nas tragédias de Sófocles, nas quais o Coro era a comunidade. O crítico inglês chega a afirmar que o Coro torna-se, ao longo da história, um “aborrecimento dramático”, tendo de se desculpar pela sua chegada e por não ajudar as crianças.[7]
...O Coro de Medéia possui outra característica importante: assim como o de Electra, está repassado do espírito da heroína. Isso fica claro quando diz que os homens são traiçoeiros, mas que a honra chegaria para as mulheres, o que confirma o posicionamento da própria protagonista. Porém, como o Coro de Antígona, aumenta a dramaticidade ao trocar de lado, durante o desenvolvimento da tragédia. Ao descobrir os planos de Medéia, a simpatia do início da peça transforma-se em horror e protesto. Ainda pela análise de Kitto, o Coro segue-a de perto ao aproximar-se do tema trágico, e quando, no fim, se esquiva dela com repulsa, contribui para nos esclarecer esse tema. Um coro que defendesse completamente as ações de Medéia atrapalharia o nosso entendimento.[8]
...A tal respeito, esse autor afirma: “o Coro debruça-se atentamente sobre o herói, as suas ações e as respectivas conseqüências, sem digressões filosóficas ou ornamentais porque todo o pensamento trágico do poeta é expresso através do herói, do seu caráter e da sua situação; pouco fica com que o Coro se possa divertir”.[9]
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3. Conteúdo
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Ação Dramática
A tragédia começa com um conflito já instaurado: Jasão havia abandonado Medéia e os filhos para se casar com a filha de Creonte, rei de Corinto. Tendo em vista todo o sacrifício que a protagonista havia feito para ficar com Jasão, inclusive assassinar o próprio irmão, Medéia não perdoa a traição do ex-marido. Sabendo disso, Creonte vai procurá-la, com medo do que a feiticeira pudesse fazer para sua família. O rei acaba por mandá-la ao exílio. Medéia, controlando sua fúria, pede apenas mais um dia, a fim de arrumar os preparativos para a súbita viagem. Tendo sido aceito o seu pedido, Medéia ganha o tempo para elaborar o plano de vingança: manda, pelos seus filhos, presentes envenenados à noiva de Jasão, a qual morre, junto com o próprio Creonte, que tentara salvá-la.
...Ao saber que suas expectativas haviam se cumprido, ela entra em dilema sobre a realização da segunda parte do plano: matar os próprios filhos, com o intuito de atingir ao máximo os sentimentos de Jasão, para ele sentir uma solidão ainda mais aterradora do que aquela que ele lhe reservara. Ele, desesperado, procura Medéia, com medo do que poderia acontecer com os filhos. Entretanto, quando chega à casa dela, a mulher já havia cometido o infanticídio e saía voando em um carro puxado por dragões alados, enviado pelo deus Hélios: ela ria com selvagem prazer do sofrimento de Jasão, enquanto fugia para Atenas, onde o rei Egeu lhe oferece asilo.
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Conflitos Principal e Secundários
O abandono de Medéia por Jasão, o qual se separa dela e abandona os filhos para se casar com a princesa de Corinto configura o conflito principal dessa tragédia. Em uma análise mais abrangente, é o “conflito entre o egoísmo ilimitado do homem e a ilimitada paixão da mulher”.[10]
...Há também um conflito entre Medéia e Creonte, rei de Corinto, no início da peça. Este a procura para mandá-la embora da cidade, apavorado com o que a feiticeira pudesse fazer em relação a ele e sua filha, já que Jasão, ex-marido de Medéia, estava noivo da princesa. O embate acaba quando o rei permite que a protagonista permaneça por mais um dia na cidade, devendo partir antes do próximo nascer do sol.
...Além disso, ao contrário do que acontece em Ésquilo, no qual os dois pólos da oposição trágica referem deus e homem, em Eurípides ambos se situam no íntimo do humano, provocando incontáveis conflitos internos.[11]
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Protagonista
Medéia constitui uma personagem intensa, repleta de força. É bárbara, e não grega: tem astúcia, poder de dissimulação e um ímpeto selvagem com sua paixão, uma crueldade refinada move seus planos, executados com energia feroz.[12]
...Nessa tragédia, trata-se com impressionante nitidez o problema psicológico da onipotência da paixão que move o ser, e que acaba por destruí-lo a ponto de consumir conscientemente a própria ruína.
...Freire defende que não é o Destino, e sim a Paixão, que arrasta Medéia para o crime. Trata-se do fatalismo psicológico, sobre o qual a fatalidade por si só não atua.[13] Porém, a personagem não deve ser vista somente no âmbito particular: Medéia faz reflexões filosóficas sobre a posição social da mulher e explica que o parto dos filhos é muito mais perigoso e heróico que as façanhas dos heróis na guerra.[14]
...Outro aspecto importante de se observar é que a protagonista não pode ser considerada totalmente vilã: ela ama seus filhos e era querida pelo povo de Corinto. Na verdade, está possessa de uma natureza apaixonada, absolutamente incontrolável tanto no amor como no ódio, o que a torna dramática: é a mulher por inteiro. Segundo Kitto, o fato de ela nunca ser realmente diferente do que a vemos ser constitui parte essencial dessa tragédia.[15]
...O autor afirma:

Medéia está destinada a ser um tormento para si própria e para os outros; eis porque Eurípides a mostra a assinalar o seu caminho na vida com os destroços que deixa atrás de si; eis porque o sofrimento dos outros, de Glauce e de Creonte, não são para serem criticados. Que ela sofra é sem dúvida uma parte importante e necessária do drama, mas não é o ponto principal da tragédia, que é o fato de a paixão poder ser mais forte do que a razão, podendo assim constituir um agente mais destrutivo (para as crianças, Glauce, Jasão, Creonte e para a paz de M. – mas não para a sua vida; em resumo, destrutivo para a sociedade em sentido amplo).[16]

...Para aprofundar a história dramática até a tragédia, é necessário ver Medéia não apenas como a esposa atraiçoada e vingativa, mas como personificação de uma das forças cegas e irracionais da natureza.
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Antagonista
No mito que originou Medéia, Jasão era um herói sem mancha. Na versão euripidiana, torna-se necessário transformá-lo em um covarde oportunista para fazer da infanticida do mito uma figura trágica.
...O que principalmente diferencia Jasão de Medéia são as suas ações movidas por cálculo frio, e não por paixão, como acontece com a protagonista.
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Coadjuvantes
Ama de Medéia: sua fala inicial constitui o prólogo. Desde esse momento, está completamente sensibilizada pela situação da protagonista, abandonada pelo marido, e com medo do que poderia acontecer com os filhos de Medéia.
...Filhos de Medéia e Jasão.
...Preceptor: avisa a Ama que o rei teria planos de mandar Medéia e os filhos para o exílio. Mais tarde, é ele quem trás os filhos de volta à casa de Medéia, depois de as crianças entregarem os presentes envenenados para a filha de Creonte.
...Creonte: rei de Corinto. Procura Medéia para mandá-la ao exílio e acaba assassinado pelo veneno que ela havia mandado para sua filha.
...Egeu: rei de Atenas, aparece na tragédia para dar asilo à Medéia.
...Mensageiro: pede para Medéia fugir, avisando que seus presentes haviam matado o rei e sua filha. É ele quem dá detalhes da cena do assassinato da família real.
...Coro de mulheres de Corinto: com sua compaixão, acompanha o destino de Medéia, quer ampará-la, consolando-a. Ele encontra-se numa dificuldade famosa perante o assassinato das crianças: deveria participar da ação e não pode. Quinze mulheres de Corinto estão ali sem fazer nada enquanto Medéia assassina os filhos dentro de casa – ou antes, elas estão ali tentando chegar a alguma conclusão sobre qual atitude tomar. É o Coro concreto, que está lá para saber sobre Medéia, e não para cantar filosofia.[17]
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Temas Principal e Secundários
Medéia é baseada no mito grego, o qual mostra Jasão e Medéia antes da ação da tragédia. A peça trata de assuntos referentes ao incontrolável amor, à honra e ao orgulho feridos, ao desejo de vingança levado às últimas consequências.
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4. Conclusão
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“O amor”, canta o coro, “quando vem com demasiada intensidade, nunca trouxe boa reputação ou virtude aos mortais”. Medéia é delineada marcantemente como a personificação mais forte possível desse poder; o equilíbrio do caráter é-lhe necessariamente negado, isso significando que não nos podemos solidarizar com ela como com Édipo. Eurípides não nos pede que simpatizemos com ela deste modo, mas que a compreendamos, que compreendamos que tais coisas são uma realidade. Pede-nos para sentirmos terror ao sabermos o que as paixões a levam a fazer, piedade por todos os que estão por terra, esclarecimento trágico ao vermos que todos são vítimas de uma força primitiva. Assim, temos piedade pela “selvagem e cruel Medéia”, mas apenas enquanto a consideramos da mesma maneira objetiva que Eurípides.[18]
...Medéia é o drama da mulher abandonada e arrebatada por sua vingança. Medéia é a paixão, força irracional, mais poderosa que a razão. “Sim, compreendo quais males farei” – diz, quando vai matar seus filhos – “o furor é superior à minha decisão, ele causa os maiores males aos mortais”.[19]
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5. Bibliografia
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“A INFLUÊNCIA da cultura helenística na civilização ocidental”. In: . Acesso: 25/abr./09.
ARRUDA, J. J. Toda História – Geral e do Brasil I. São Paulo: Ática, 1998.
BERTHOLD, M. História Mundial do Teatro. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
“DIFERENÇAS entre comédia e tragédia”. In: . Acesso: 25/abr./09.
ÉSQUILO, SÓFOCLES & EURÍPIDES. Os Persas, Electra, Hécuba. 6. ed. Trad. e apres.: Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
EURÍPIDES. Medéia, Hipólito, As Troianas. 6. ed. Trad., intr. e notas: Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
______. Medeia. 3. ed. Coleção Clássicos Inquérito. Trad., pref. e notas: Cabral do Nascimento. Lisboa: Editorial Inquérito, s/d.
______. Medéia. Coleção Grécia Roma, edição bilíngüe. Trad.: Jaa Torrano. Apres.: Filomena Yoshie Hirata. São Paulo: Editora Hucitec, 1991.
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“EURÍPIDES”. In: <greciantiga.org/arquivo.asp?num=0062>. Acesso: 24/abr./09.
“EURÍPIDES”. In: . Acesso: 25/abr./09.
“EURÍPEDES”. In: . Acesso: 24/abr./09
FREIRE, A. O Teatro Grego. Braga: Publicações da Faculdade de Filosofia, 1985.
“HISTÓRIA de Atenas”. In: . Acesso: 25/abr./09.
HARWOOD, R. (dir.). O Teatro do Mundo. São Paulo: BBC/RTC, 1988. v. 1 DVD (106 min).
JAEGER, W. Paidéia – A Formação do Homem Grego. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes / Editora Universidade de Brasília, 1989.
KITTO, H.D.F. A Tragédia Grega. Vol. 2. Trad. e pref.: José Manuel Coutinho e Castro. Coimbra: Arménio Amado – editor, 1972.
LESKY, A. A Tragédia Grega. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006.
“MEDÉIA”. In: . Acesso: 25/abr./09.
“PÉRICLES”. In: . Acesso: 25/abr./09.
PIZA, D. “O Teatro do Mundo”. O Estado de São Paulo, domingo, 26/abr./09, Caderno 2, D2.
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[1] LESKY, 2006, p. 187.
[2] KITTO, 1972, p. 24.
[3] BERTHOLD, 2008, p. 110.
[4] LESKY, 2006, p. 192.
[5] KITTO, 1972, p. 24.
[6] BERTHOLD, 2008, p. 110.
[7] KITTO, 1972, p. 132-133.
[8] Ibid., p. 133-134.
[9] Ibid., p. 134.
[10] JAEGER, 1989, p. 276.
[11] LESKY, 2006, p. 205.
[12] FREIRE, 1985, p. 203.
[13] Ibid., p. 203.
[14] JAEGER, 1989, p. 276.
[15] KITTO, 1972, p. 14.
[16] Ibid., p. 23.
[17] KITTO, 1972, p. 18.
[18] KITTO, 1972, p. 23.
[19] EURÍPIDES, 1991, contracapa.
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maio/09

20.7.09

O Desmascaramento do Ator – e a importância do trabalho com máscaras

para a disciplina de Teatro de Animação I, do prof. Felisberto Sabino da Costa.
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Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
Fernando Pessoa
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Estamos há apenas um semestre tendo aulas de Teatro de Animação. Para a maioria de nós, tem sido o primeiro contato com máscaras: trabalhamos com variados tipos de máscaras expressivas, desenvolvemos experiências com elas em diferentes jogos e situações cênicas, utilizamos objetos cotidianos como lenços, luvas, tampa para microondas, máscaras de mergulho ou de soldador, com a finalidade de descobrir o grau de expressividade de cada um deles.
...Mas, afinal, não nos vestimos com máscaras o tempo todo? No trabalho, assumimos o papel de profissionais; na escola, colocamos a máscara de estudantes; no bar, portamo-nos como amigos. O poema de Fernando Pessoa, que abre esse texto, questiona qual identidade é realmente a “máscara” e o que supostamente seria o “verdadeiro”; quando nos servimos de disfarces – não necessariamente no sentido negativo – e adotamos posturas e comportamentos diferentes dos que tínhamos anteriormente.
...Em meio a tantas máscaras sob as quais nos escondemos no dia-a-dia, por que então utilizar as de madeira, couro e outros materiais nos processos teatrais? Segundo Elizabeth Lopes, o treinamento com máscaras destina-se a “fornecer ao ator um instrumento para liberar inibições, eliminar vícios de interpretação e ampliar o potencial expressivo”.[2]
...Ao ocultar o rosto do ator, a máscara esconde a “persona social” dele, causando-lhe grave choque emocional por comprometer seu instrumento de comunicação. Como conseqüência de ter a “persona” coberta, para Jacques Copeau o ator vence parte de suas resistências íntimas e supera seus limites habituais.
...Para esse teatrólogo francês, a perda do rosto resulta em soltura por parte do ator, tendo como resultados o autoconhecimento e a pesquisa de inúmeras possibilidades corporais. Assim sendo, a máscara controla os movimentos do corpo, escondendo-se e revelando-o ao mesmo tempo. Em sua prática na escola do Vieux Colombier, em Paris, Copeau afirmava o objetivo mais importante da máscara neutra como sendo “despir” o ator e ajudá-lo a atingir um estado maior de concentração. Estado este tão bem descrito no livro de Paul Valéry, A Alma e a Dança, numa fala da personagem de Sócrates a respeito de uma bailarina dançando: “está inteira em seus olhos fechados, e sozinha com sua alma, no seio de alguma íntima atenção...”.[3]
...Discípulo de Copeau, o francês Jacques Lecoq defendia o trabalho com a máscara, tendo como finalidade de o ator entrar em um jogo maior que aquele do cotidiano, de buscar a essência da expressão, descartando suas banalidades. Segundo esse diretor, durante o uso da máscara os olhos do ator são substituídos pela cabeça. Justamente para tentar conseguir tal feito, praticamos em aula vários exercícios para os olhos. Além disso, ao dialogar com outro personagem mascarado, fica claro que não basta mais “olhar com os olhos”; deve-se mexer a cabeça toda, para indicar aos outros a direção do nosso olhar.
...Lecoq defende que o corpo, na representação com máscara, tem que estar em estado de alerta, de sustentação, daí a valorização do corpo em relação à cabeça. Tem-se como objetivo trabalhar o potencial expressivo do corpo e também usá-lo de maneira mais econômica. “Se o rosto está escondido, o corpo do ator torna-se um rosto inteiro, expressando à distância o que o rosto verdadeiro expressa em close up”, disse Jean Cocteau. Na sala de aula, colocamos em prática técnicas orientais que nos auxiliaram na busca do corpo em estado de atenção. Por sua vez, Ariane Mnouchkine resume: “no teatro, o corpo inteiro é mascarado”.[4]
...Quanto à formação com máscara de atores, Lopes ressalta que essa preparação não tem como objetivo o teatro mascarado, mas sim ser um suporte sólido para o ator poder abandonar a máscara e abordar com mais segurança a máscara metafórica dos próximos personagens.[5]
...Ainda no aprendizado com a máscara, outro aspecto importante, para Lecoq, é o “rejeu”, ou “re-jogo”, a partir do qual o universo da criança deve ser resgatado, conduzindo à “volta ao espírito lúdico, à brincadeira, por intermédio do jogo dramático”.[6] A finalidade desse processo é a recreação tornar-se (re)criação, “fazer com que o ator reencontre a liberdade de movimento que predomina na criança antes que a vida social imponha outros comportamentos”.[7] Nesse sentido, praticamos, durante as aulas, vários jogos que nos reportaram à infância. A descontração – diferente de desconcentração – resultante foi fundamental por diversos motivos, como o relaxamento corporal e a interação do grupo.
...Um dos exercícios mais praticados durante o semestre foi o “Equilíbrio do Plateau”. O jogo baseia-se no equilíbrio e no desequilíbrio de uma superfície cênica, posta em movimento pelo deslocamento dos atores. As primeiras tentativas foram repletas de desvios: atores entravam em momento indevido, roubavam o lugar do outro, deixavam de entrar quando havia espaço. Entretanto, com o passar dos meses, constatou-se grande avanço no equilíbrio do desenvolvimento do jogo. Experimentamos também fazê-lo com os rostos cobertos por panos brancos e, depois, com máscaras expressivas. Essas tentativas com novos desafios acrescentaram ganhos importantes no aprendizado da sala toda.
...Mnouchkine comenta ainda outro ganho do trabalho do ator com máscaras: quando representa sem máscara, sendo ele próprio, o ator começa a evidenciar muito fortemente uma representação dando privilégio à relação com o público.[8] Já Lecoq amplia o alcance do uso da máscara, ao afirmar que ela “conduz aqueles que a usam a uma dimensão sagrada, ritual”,[9] possibilitando-lhes um olhar para dentro deles mesmos.
...Ainda sobre a bailarina que dança magicamente, a personagem de Sócrates fala, no livro de Valéry:

Um olhar frio tomaria com facilidade por demente essa mulher bizarramente desenraizada, que se arranca sem cessar da própria forma, enquanto seus membros enlouquecidos parecem disputar entre si a terra e o ar; e que sua cabeça vai para trás, arrastando sobre o chão a solta cabeleira; e que uma de suas pernas está no lugar dessa cabeça; e que seu dedo traça não sei que sinais sobre a poeira!... Afinal, por que tudo isso? – Basta que a alma se fixe e faça uma recusa, para só conceber a estranheza e o repulsivo dessa agitação ridícula... Se quiseres, alma, tudo isso é absurdo![10]

...“Afinal, por que tudo isso?”, é a pergunta de Sócrates. Um trecho do livro A Dança, de Klauss Vianna, encaixa-se como resposta: “Todos somos, sem exceção, bailarinos da vida. Todos nos movemos para um único e fundamental objetivo: o autoconhecimento”.[11]
...E é justamente isso que o trabalho com máscaras e, mais amplamente, o teatro em si possibilitam: depor as máscaras do mundo e conhecer-se.

[1] PESSOA, 1986, p. 1.006.
[2] LOPES, 1991, p. 2.
[3] VALÉRY, 2005, p. 30.
[4] MNOUCHKINE, 1989. p. 4.
[5] COSTA, 2006, p. 74.
[6] Ibid., p. 72.
[7] Ibid., p. 72.
[8] MNOUCHKINE, 1989, p. 5.
[9] LECOQ, 1988, p. 7
[10] VALÉRY, 2005, p. 40.
[11] VIANNA, 1990, p. 14.
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Referências bibliográficas

BAUDRILLARD, Jean. O Destino. Difel, s/d.
BOURCIER, Paul. “A dança, dom dos imortais”. In: História da Dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
COSTA, Felisberto Sabino da. “Duas vezes Lopes + Zigrino: três experiências com máscara no Brasil”. In: Sala Preta. São Paulo: 2006.
KANTOR, Tadeuz. “Le masque”. Trad.: Valmor Beltrame. In: Le Masque – du rite au Théâtre. Paris: CRNS, 1989.
LECOQ, Jacques. “O corpo poético”. Trad.: Sassá Moretti. In: Les Cahiers Théâtre Education. Actes Sud-Papiers, 1997a.
______. Le Corps Poétique – Un enseignement de la creation théâtrale. Colab.: Jean-Gabriel Carasso e Jean-Claude Lallias. Paris: Actes Sud-Papiers, 1997b.
______. “Rolê du masque dans la formation del’acteur”. Trad.: Valmor Beltrame. In: Le Masque – du rite au Théâtre. Paris: CRNS, 1988.
______. “Como se move um coro?”. Trad.: Roberto Mollet. In: Le Théâtre du Geste. Paris: Bordus, 1987.
LOPES, Elizabeth Pereira. “Copeau e a máscara”. In: A Máscara e Formação do Ator. Tese apresentada ao Instituto de Artes da Unicamp, 1991.
MNOUCHKINE, Ariane. “A máscara: uma disciplina de base no Théâtre du Solei”. Trad.: Valmor Beltrame. In: Le Masque – Du rite au théâtre. Paris: CNRS, 1989
PESSOA, Fernando. Obras de Fernando Pessoa. Vol. I. Intr. e org.: António Quadros e Dalila Pereira da Costa. Porto: Lello & Irmão, 1986.
VALÉRY, Paul. A Alma e a Dança. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2005.
VIANNA, Klauss. A Dança. São Paulo: Siciliano, 1990.
20/jul./09

11.7.09

Janelas

A menina se lembrava da antiga vista da janela. Havia uma piscina, uma amoreira. A grama verde e outra casinha lá atrás, amarela. Muitas árvores. O céu azul. Os passarinhos de várias espécies flutuando no vento gelado. Silêncio.
...Agora, o céu ainda era azul e o vento talvez fosse até mais frio. Mas não havia mais casinha amarela, piscina, amoreira. Só bambus verdes-claros encostados no muro cinza. A barulhenta construção e apenas um passarinho preto. A janela já não era a mesma. Nem a menina.
jun.09